quinta-feira, 29 de março de 2018

Óbidos: Primeiras celebrações da Semana Santa preparam crentes para a vitória na Cruz com apelos de conversão à “vida nova”

A vila de Óbidos deu início à Semana Santa no “Domingo da Paixão”, convidando milhares de fiéis a identificarem-se com Cristo no “verdadeiro caminho”. A Bênção e Procissão dos Ramos, a Missa de Ramos na Paixão do Senhor, e a Procissão dos Passos, com sermão do encontro proferido pelo padre Jorge Ferreira, Vice-Reitor do Pontifício Colégio Português em Roma, ajudaram os crentes a caminhar na “profissão de fé da ressurreição”, indicando que a vivência por uma “vida nova” consagra na “única razão que vale a pena viver e morrer”.

“É urgente perceber que celebrar a Paixão de Cristo, não pode ser em qualquer tempo e em qualquer lugar, motivo para saudosismos ou sentimentalismos e vazios de sentido”, exortou o sacerdote no sermão do encontro, frisando que o amor manifestado na devoção dos passos de Jesus tem de dar lugar à “boa notícia”, contagiando os outros, em vez de exprimir sentimentos de “pieguice e fraqueza”. Segundo este responsável, se os crentes acreditam que Jesus ressuscitou, têm a responsabilidade de solenizar e viver a “semana maior”, com a “abertura à vida nova”, que “só Deus” pode dar porque é o seu “autor” e o seu “criador”.

Na manifestação de fé num “Deus de paradoxos”, Cristo deixa-se “condenar para nos salvar e humilha-se para nos exaltar”. “Só quem entende verdadeiramente a ressurreição e crê no Cristo “vivo, atuante e presente na nossa história”, pode fazer com Ele este caminho até à cruz, mas “já com os olhos e o coração postos na manhã da ressurreição”; porque a convicção e esperança cristã não termina em Sexta-feira Santa, mas estende-se ao Domingo de Páscoa.

Após a Bênção dos Ramos, os fiéis atravessaram as muralhas da vila de Óbidos, evocando com fé e devoção “a entrada triunfal” de Jesus Cristo na cidade santa de Jerusalém. O tapete florido e aromático, e as janelas engalanadas, indicaram o caminho a percorrer até à Igreja de Santa Maria. Com participação da população local e de muitos turistas, a Eucaristia da Paixão do Senhor, junto das procissões solenes deste dia, foram presididas pelo padre Ricardo Figueiredo, pela primeira vez enquanto pároco da Unidade Interparoquial do concelho de Óbidos.

Na homilia desta celebração, o Vice-Reitor do Pontifício Colégio Português em Roma, lembrou que ao longo das últimas semanas a Igreja tem convidado os cristãos à conversão. Assim, como em cada dia e em cada domingo, o apelo à mudança convoca todos os irmãos na fé a passar da “antiga escravidão à vida nova, transformando a vida do pecado numa vida nova de graça”.

Converter-se “não significa matar aquilo que existe em nós, mas assumir a mesma vida, assumir o mesmo contexto em que se vive, mas à luz do Evangelho, e não segundo as vãs promessas do mundo”, sublinhou, mostrando que aquilo que para alguns era loucura e para outros escândalo, para os crentes hoje é “proposta de salvação”. “E vamos percebendo que é na humildade, é na entrega, é no caminho do sofrimento, que o Senhor Jesus nos ensina qual a vida que vale a pena ser vivida, qual o caminho que vale a pena ser percorrido, qual a luz, a luz da verdade”, reforçou.

“A liturgia diz que Jesus chama o Pai por, papá, paizinho, Ábba. Esta confiança em Deus, que nos é ensinada, é quase como aquela confiança das crianças que confiam plenamente no seu papá e na sua mamã, que se entregam totalmente porque dão-se; assim é também a nossa atitude de cristãos de confiança neste Deus que quer que todos se salvem, e que cheguem ao conhecimento da verdade”, sublinhou o padre Jorge Ferreira.

Para este sacerdote e professor assistente no Pontifício Instituto Litúrgico de Santo Anselmo, perante “o inevitável” e aqueles acontecimentos de flagelação, Jesus não resiste, “não pega em armas nem luta”, permanecendo de pé e em silêncio, “não na resignação, não na luta”, mas toma como “caminho” e “entrega” como “maior gesto de amor pela humanidade”.

O padre Jorge Ferreira interpelou os presentes a aceitar “a realidade da nossa vida, das dificuldades, do sofrimento, de tantas contrariedades”, que nem sempre é “fácil”; “não numa resignação, de quem deixa baixar os braços, mas na confiança de que Deus está connosco e nunca nos abandona”. “Nesta ‘semana maior’ que hoje começa, sejamos capazes de gritar com Jesus, e redescobrir a solidariedade daquele que também grita ao Pai, sabendo que se aproxima a ressurreição”, acrescentou.

Depois da caminhada conjunta pelas ruas tortuosas, ao recordar os passos de Jesus, este presbítero deixou o repto aos crentes para que a palavra ‘Paixão’ faça parte do vocabulário diário, transportando-a para uma realidade de conversão, “para a realidade de querermos ser melhores, de querermos dar melhor resposta ao compromisso do nosso Batismo”. “Que este Senhor dos Passos que percorreu connosco os passos da vida, nesta bonita vila de Óbidos, percorra os caminhos do quotidiano na companhia de Maria, sua mãe, e acompanhe-nos também nos caminhos do nosso coração com esperança”, declarou.

O acontecimento religioso terminou na Igreja da Misericórdia, com o pároco a agradecer a todos os que tornaram possível a Procissão do Senhor dos Passos, de modo particular, algumas pessoas que ao longo das últimas semanas foram dizendo: “senhor padre, já fiz muito por esta procissão, agora não consigo”. “Há pessoas que com os limites das forças, com as suas fragilidades amam muito o Senhor dos Passos e amam muito a nossa vila, e que sofrem por não poder ajudar”, revelou, exprimindo que são “aquelas que a mim ajudaram muito a compreender, nesta primeira Semana Santa que hoje experimento aqui em Óbidos, que, aqui há fé, aqui há amor”. O padre Ricardo Figueiredo certificou que essas mesmas pessoas que não puderam “ajudar fisicamente”, rezaram pelo “sucesso da nossa procissão”; enaltecendo o gesto que agrada a Deus. “Ainda que no silêncio e na oração, saber que servirmos o Senhor, é sempre o maior agradecimento que recebemos”, apontou.

O Presidente da Câmara Municipal de Óbidos disse em declarações ao Comércio & Notícias, que este acontecimento religioso histórico, faz parte do “património e da cultura” do município, e continua a ser “ponto de encontro” entre comunidade local. A Procissão do Senhor dos Passos é um momento que para além do “impacto cultural”, envolve “uma experiência profunda mesmo para quem não é católico, ou que possa ser mais distanciado desta religião”, que “creio que é mais uma marca importante que vem de décadas, de Óbidos”, salientou. “Pessoalmente vi esta celebração hoje repleta de muita gente do concelho, com gente também de fora, entre turistas e estrangeiros, num momento emotivo que chama às nossas emoções”, testemunhou ao Comércio & Notícias, elogiando a “fantástica” organização.

“Deixo aqui um convite para que todos, crentes e não-crentes, venham à vila de Óbidos, participar na Procissão do Enterro do Senhor, na noite de Sexta-feira Santa”, apelou Humberto Marques, considerando que o evento leva a uma ocasião “única de introspeção”. Com saída da Igreja da Misericórdia, esta cerimónia realizada sem qualquer iluminação, a não ser os archotes que ardem nas mãos de jovens, percorre a vila levando o Senhor até ao Sepulcro. O cortejo embora não estar determinado pelas rubricas do Missal Romano, estabeleceu-se em Portugal pela devoção dos fiéis no século XV e princípios do século XVI, e constitui numa manifestação cultural, considerada ponto alto entre as solenidades do Tríduo Pascal.


João Polónia/Comércio & Notícias (texto e fotos)

(notícia João Polónia publicada no Comércio & Notícias a 29 de março de 2018)



Sem comentários:

Enviar um comentário